sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

DEVANEIOS SOBRE UM ISQUEIRO, UM MAÇO DE CIGARROS E A INTEGRALIDADE, E OUTRAS VIAGENS QUE SURGIRAM NA NOITE QUE PASSEI NO CAPS



Era o final de tarde da sexta-feira 28/01, e eu estava indo até o CAPS III do Complexo de Saúde Rocinha. Passaria aquela noite no plantão noturno do CAPS, como haviam feito quatro colegas antes de mim. Até aquele dia, nenhum problema ou situação que fosse digna de maiores discussões ou estranhamentos. Mas os que voltavam de lá, na manhã do dia seguinte, quando passavam por mim diziam: “não aconteceu nada de mais.... mas você vai dar sorte, justo na sexta-feira, dia do batidão....” Fiquei boladão, como dizem os cariocas.
O batidão é uma festa funk que acontece todo fim de semana no interior da Rocinha...local de referência para muitos, no que diz respeito a lazer, descontração, bebedeira e muitas vezes acertos de contas, pendências... Talvez por isso toda essa promessa de que “na sexta-feira vai bombar o CAPS”
Bom, mas voltando ao final da tarde no CAPS, cheguei para acompanhar a reunião de fim de turno entre os profissionais que estavam durante o dia no serviço (alguns deles). Alguns casos específicos, envolvendo situações peculiares, precisavam ser discutidos em equipe, afim de se pensar em estratégias de intervenção, reelaboração de planos terapêuticos, etc...algumas frases e expressões ficaram pinicando no meu ouvido por diversas vezes naquela reunião, tais como “continua no acolhimento”, “paciente envolvido com drogas”, “tirar toda medicação pra limpar ele”, entre outras que poderiam ser extensamente discutidas, sob diferentes enfoques, em alguma dissertação ou tese, e que fazem parte do cotidiano de um serviço de saúde mental.
Mas uma situação específica me chamou atenção. Uma situação específica que desencadeou uma discussão peculiar, digna de ser contada aqui, pelo menos por cima.
Na noite anterior, um usuário, T., que pensava ser M.J., segundo a psiquiatria pelo fato de possuir um transtorno de personalidade, estava no serviço, afim de passar a noite lá, conforme seu plano terapêutico indicava. T. gostava de fumar, assim como N pessoas também o gostam de fazer, por X motivos. O pessoal do CAPS possui algumas combinações quanto a isso, em alguns espaços ao ar livre usuários e trabalhadores gozam do direito de exercer o seu hábito. No entanto, T. foi proibido de fumar, pois queria fazê-lo dentro do quarto onde deveria dormir. E ainda por cima, estava com um isqueiro, não quis dá-lo a equipe. Ai entra esse ponto polêmico: existe a combinação (entre a equipe) de não permitir que os usuários que fumam possuam consigo isqueiro. Mas porque? Para que não se fume dentro do quarto?
Durante a reunião, deu pra perceber que não era bem esse o motivo da proibição do isqueiro. Uma trabalhadora relatou que teme a possibilidade do usuário ficar com seu isqueiro durante a noite, pois o mesmo pode ter um surto, e “botar fogo em tudo”. O velho discurso do louco em potencial ressurge com tudo, e saltita gracioso pela sala.
No fim das contas, naquela noite anterior, o usuário T. acabou se irritando com esta imposição, e foi embora do CAPS. Antes disso, havia dito que queria ficar com seu isqueiro, pois se sentiria como uma criança se tivesse que dar seu utensílio para alguém, tendo que pedir o objeto toda vez que quisesse fumar. Foi pelos ares, junto com a fumaça do cigarro, a possibilidade de se trabalhar a autonomia deste sujeito.
Bem, mas a discussão sobre esta situação se findava, quando começamos a ouvir vindo de longe e se aproximando sons de grito e barulhos diversos. Tratava-se da chegada da usuária R., que a alguns dias não comparecia ao CAPS. R. foi uma pessoa que esteve institucionalizada durante anos em algum hospital psiquiátrico desse Rio de Janeiro afora. Passou a ser acompanhada pelo CAPS a alguns meses, segundo a equipe, com o recado do pessoal do hospital de que seria “um caso perdido”. E naquele momento, R. retornava em crise, possivelmente parara com a medicação, ou não, e tinha indícios de ter consumido cocaína a pouco tempo. Estava bastante agitada. Um trabalhador olhou para mim e disse “mas você é pé frio, hein?”, pensei comigo “é hoje que vai bombar”.
Acompanhei a abordagem da equipe que estava naquele momento no CAPS. R. não parava sentada, se movimentava de um lado para outro, gritando com sua mãe, xingando todo mundo que estava em volta. Mesmo assim, os trabalhadores se aproximaram para conversar com ela. O que falava ficava mais próximo, os demais um pouco mais distantes. O trabalhador em questão tentava conversar com ela, perguntando o que aconteceu, entre outras coisas que não consegui entender naquele momento (pois não ousei acompanhar a abordagem tão de perto). Conforme R. ia entrando na conversa, ia sendo convencida a tomar a sua medicação, o famoso SOS (medicação previamente prescrita para casos de emergência, crise). E ela foi se acalmando.
Algum tempo depois, ela acabou indo tomar banho. E quando voltou, foi jantar na cozinha do CAPS, junto com os demais. Comeu a sua comida, lavou seu prato, jogou os restos no lixo. Como qualquer outra pessoa. “Caso perdido”? Caso perdido são os manicômios do tipo onde R. esteve jogada ao deus dará durante anos.
De fato, os primeiros acolhimentos de R. não foram fáceis, conforme me relataram alguns trabalhadores. Muitos deles foram agredidos, já que era mais comum R. chegar bem mais agitada do que ela chegou naquela noite em que estive no CAPS. Na verdade, os trabalhadores interpretam esta agressão também de outra forma. Consideram a atitude de R. nas primeiras vindas ao CAPS como uma defesa, já que a única forma de abordagem a que R. estava acostumada a ser submetida, enquanto no manicômio, era a porrada. Nada mais natural que esperasse esta abordagem também no CAPS, e que procurasse se defender previamente, do jeito que desse.
Outra questão curiosa é que R., tanto no seu período de maior agitação, quanto após a janta, sentia uma intensa necessidade de fumar. E fumava, num espaço ao ar livre que ficou aberto até umas 10 da noite. Um cigarro não durava mais do que alguns segundos na boca de R., tamanha era a vontade e a velocidade com que fumava.
Os cigarros que R. fumava vinham de um maço que sua mãe havia fornecido para a equipe, para saciar o desejo de R. fumar, já que R. ficava agitada quando sentia essa vontade. E como a equipe lidava com essa situação?
No início da noite, enquanto R. estava bastante agitada, os cigarros eram fornecidos pela equipe conforme R. solicitava. Num determinado momento, quando mais calma, acontece uma situação que acho bem interessante. Entra em cena a atuação de um dos seguranças do CAPS. Este segurança em questão, ao ser abordado por R., que queria mais cigarros, estabelece o seguinte diálogo com R.:
- Quanto cigarros você ainda quer?
- Três (após alguns segundos de silêncio).
- Eu acho que três cigarros é muito essa hora da noite. Vou te dar mais um. Pode ser?
- Tá bom, pode ser.
R. fumou aquele cigarro, e minutos mais tarde foi pedir mais um, ao que o segurança responde:
- Mas nós não combinamos que era só mais um cigarro?
- Eu quero fumar!
- Você disse que queria mais três cigarros, eu propus mais um. Você concordou, nós fizemos um acordo.
- Mas eu quero fumar!
- Não foi isso que eu e você combinamos
- Eu quero fumar!
Num primeiro momento, achei muito chata essa situação, o segurança do CAPS não permitindo que a usuária fumasse, o seu próprio cigarro. Mas então, conversando com os trabalhadores, pude entender um pouco melhor esta situação.
A mãe de R. costuma deixar os cigarros com a equipe, para que R. não os fume tão rapidamente. Das primeiras vezes, conforme R. ia pedindo pelos cigarros, a equipe ia fornecendo. Em questão de uma ou duas horas, ela fumava todo maço, e no restante da noite ficava pedindo por mais cigarros, para outros usuários, para os trabalhadores, inclusive estes últimos fornecendo as vezes o seu próprio cigarro para acalmar R.. Então, a equipe chegou a conclusão que era preciso achar uma forma de dosar o maço de cigarro de R., para que durasse a noite inteira, e também para que R. aprendesse que, como tudo na vida, o cigarro também tinha a sua finitude! E a negociação que o segurança fazia com ela acabava sendo uma estratégia, uma forma de R. perceber estas coisas. Assim como a tentativa dos trabalhadores de que R. aprendesse a fumar mais devagar...E foi aí que vi toda essa situação com outros olhos, percebi que o que eu presenciara era uma cena talvez inusitada: o segurança do CAPS pondo em prática a política de redução de danos!
Sobre este segurança, posso dizer que admirei muito tê-lo conhecido, tirei o chapéu pra ele! Antes da situação contada acima, estive conversando por alguns minutos com esta pessoa. Ele me falava que nasceu e se criou dentro da própria Rocinha, me falou um pouco da história do bairro, da mobilização dos moradores, da situação atual, a iminência da ocupação do bairro pelas UPPs... E me falou também sobre sua atuação enquanto segurança, e sua relação com os usuários do serviço, e com a equipe de trabalhadores. Nesta conversa, tive a honra e oportunidade de escutar uma frase que me marcou profundamente, talvez a frase que mais me marcou em todo VERSUS:
- “Eu sou contratado pra cuida do patrimônio, mas o maior patrimônio é a vida humana, por isso que eu também cuido deles (os usuários)”.
Neste momento, eu entendi o que era integralidade. Já escutei sobre esse conceito na faculdade, já li alguma coisa sobre isso, já vi professores se degladiando para explica-lo. Mas naquele momento eu não estava diante de um conceito, eu estava diante da prática. E foi um segurança contratado por uma organização social para zelar pelo prédio, e que possivelmente nunca frequentou um curso superior, que me deu a lição mais clara sobre integralidade.  Cuidar do prédio não fazia sentido, se quem estiver dentro do prédio não for cuidado, afinal de contas o prédio foi construído para se cuidar das pessoas que ocupam ele, e que nele se ocupam. As dependências do CAPS não são uma parte isolada de quem o frequenta, assim como quem o frequenta, frequenta a partir do modo como se localiza dentro da estrutura, entre outras coisas. A especificidade do segurança é cuidar do prédio, mas o prédio não funciona se não houver pessoas que o frequentem e usufruem das suas instalações. Logo, a relação patrimônio-pessoas constitui-se enquanto um inteiro, uma totalidade, não podendo ser cuidados separadamente. Acho que já deu pra entender, né?
O restante da noite foi de silêncio e tranquilidade, até deu pra tirar um cochilo. De um dos quartos do CAPS, donde eu estava deitado, podia ouvir vindo lá de fora alguns sons de música, gargalhadas, passos. Nada de tiros, balas perdidas, pessoas surtando, ou qualquer outra coisa que a gente costuma ver no Jornal Nacional (quando digo “a gente”, na verdade eu me refiro apenas a você, que ainda assiste televisão). Mesmo assim, a partir do que presenciei e aprendi naquele lugar, posso dizer que a noite realmente bombou, como todo mundo estava prometendo...

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

SAÚDE MENTAL: DO USUÁRIO, DO TRABALHADOR, DO SISTEMA


Após um final de semana mais “teórico”, onde tivemos palestras e oficinas sobre fotografia e busca de artigos em bases de dados, na segunda-feira (24/01) voltamos a visitar serviços de saúde da cidade do Rio de Janeiro (afinal de contas, foi pra isso que viemos!). Desta vez fomos até o Complexo de Saúde da Rocinha, que se constitui de uma UPA, um CAPS III e um PSF. Mais especificamente, visitamos o Centro de Atenção Psicossocial Maria do Socorro Santos, primeiro CAPS III fundado no Rio de Janeiro, em março do ano passado.


Por ter menos de um ano de existência, este CAPS ainda está com sua capacidade de atendimentos bem abaixo do que sua estrutura é capaz de suportar. Ele também acolhe demandas relacionadas a álcool e outras drogas, pelo fato de não haver CAPS AD 24 horas no Rio de Janeiro (dependendo de cada caso, o usuário com este tipo de demanda pode ser encaminhado a algum CAPS AD, ou ser acompanhado no próprio serviço). Como o coordenador Tiago comentou, o SUS não é igualzinho, cada local é diferente, o SUS também se adapta a realidade de cada local. E a realidade da Rocinha também é composta por situações que envolvem o tráfico, a violência e o uso e abuso de substâncias psicoativas (considero a palavra “drogas” uma expressão muito forte, prefiro restringi-la apenas às substâncias fabricadas pela indústria farmacêutica). Claro, também cabe lembrar que a tríade tráfico-violência-uso/abuso de substâncias não está entendida aqui como numa relação de causa-efeito, como se uma coisa resultasse na outra (as vezes, uma delas impede que a outra aconteça). Tudo isso pra explicar que, dada a complexidade do cenário em que se insere este serviço de saúde, e da situação atual da rede de atenção a saúde mental do Rio de Janeiro, o CAPS III Maria do Socorro acaba acolhendo, sem nenhum problema, usuários com sofrimento em decorrência do abuso de substâncias psicoativas, ouvindo-os, traçando planos terapêuticos, fazendo um acompanhamento amplo de suas vidas e inclusive, quando necessário, tratando-os medicamentosamente (uso de drogas farmacêuticas). Só pra desconstruir e relativizar alguns conceitos.
Outro ponto importante na fala do Tiago, também tem a ver com questões culturais, eu diria. Na população deste território (assim como, creio eu, de uma maneira geral) ainda predomina a lógica manicomial nos momentos de crise e necessidade de intervenções em saúde. Ou seja, nestas situações, a maioria das pessoas procura os hospitais psiquiátricos que ainda existem na cidade, buscando a internação. Ainda é necessário investir esforços e trabalho na ideia do acompanhamento em casa (no território, com a família e redes sociais afins), na desinstitucionalização e desconstrução do discurso do “louco” e o perigo em potencial que se esconde nele. Aliás, o mundo seria bem melhor se cada um e todos nós deixássemos de trancar a nossa parte “louca” (que não é uma parte, mas um inteiro dos tantos que também somos) nos nossos próprios manicômios que inventamos para nós e para os outros (um trabalho frustrante, uma relação desgastada, uma fé cega, etc). Enfim, o CAPS como uma referência, trabalhando através do triplo eixo clínica-território-redes sociais, e não como um novocômio.


 
Mas continuando sobre o CAPS em questão: na quarta-feira, 26/01, retornamos ao serviço, e acompanhamos uma reunião de matriciamento entre profissionais da equipe do CAPS com profissionais da Clínica da Família do Complexo Rocinha. Apesar de o complexo funcionar a aproximadamente 10 meses, a reunião em questão era a primeira de matriciamento que estava se conseguindo fazer entre as equipes daqueles serviços. Um momento histórico! E eu estava lá!
Sobre o matriciamento: a partir do que os atores envolvidos no processo explicaram, e até onde entendi e já vi, o matriciamento se trata de um processo contínuo de transferência de um saber específico de pessoas/profissionais da atenção especializada para outros profissionais/pessoas da atenção primária, com o objetivo de aumentar a resolutividade da atenção primária e diminuir os encaminhamentos desnecessários.
Pois bem, estávamos todos lá, eu, mais alguns colegas, a equipe de saúde mental do CAPS, uma médica e algumas agentes comunitárias da clínica da família. E eu ansioso pra ver como começaria esse processo, essa rede a ser construída, essa ponte entre a saúde mental e a atenção primária, naquele local... E não por acaso, começou de uma forma meio “louca”, já que a demanda primeira, principal e mais urgente dos profissionais da clínica se referia a saúde mental. À própria saúde mental.
Naquele espaço-tempo, os profissionais da clínica se sentiram a vontade para expor suas angústias, sofrimentos, frustrações... A médica de família, por exemplo, relatou situações em que dá conta de coisas que extrapolam o momento da consulta, ou sua atuação enquanto médica. Isso é lindo, se pensarmos pela lógica da integralidade, no olhar pra além da sua formação. Mas é terrível e perverso, quando se percebe o sofrimento desta pessoa, não só por não ter tido uma formação mais ampla, mas também por se sentir sobrecarregada com seu trabalho, sentindo a ausência de profissionais de outras áreas no serviço para lhe auxiliar.
O sofrimento também aparece na fala das agentes comunitárias, que se dizem também sobrecarregadas, tanto pela quantidade de trabalho, tanto pelo envolvimento emocional que acabam tendo (afinal de contas, elas moram no território, problemas que afligem os usuários, também muitas vezes são problemas que afligem toda comunidade). Uma das agentes, inclusive, perguntou se não era possível fazer uma “terapia” com o povo da atenção primária, devido a tal carga emocional que estão expostos todo dia.
No decorrer da reunião, o povo do CAPS tentou discutir esta demanda do povo da atenção primária. Conversou-se sobre possibilidades de parcerias com entidades, organizações locais e comunitárias, como uma ferramenta de auxílio ao combate de vários problemas coletivos, e que acabam afligindo cada um, individualmente. Também se falou sobre possibilidades de lidar com esse sofrimento relacionado ao trabalho, no dia-a-dia. Enfim, a leitura que faço é de que a reunião de matriciamento na verdade foi um grande acolhimento que o povo do CAPS fez com o povo da atenção primária, inclusive ambos traçando um plano terapêutico conjunto.
Foi uma experiência bem interessante, a despeito de ter sido apenas uma reunião, não foi apenas uma reunião. Presenciamos os primeiros passos da constituição de uma rede entre profissionais de dois serviços distintos, que apesar de estarem situados fisicamente em dois espaços que são praticamente colados um ao outro, levou uns 10 meses para “notar” esta cola...

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

ESPAÇOS DE SAÚDE: MAIS DO QUE LOCAIS DE PRÁTICAS CLÍNICAS


Na manhã do dia 20/01 visitamos a Unidade de Pronto-atendimento de Manguinhos (UPA Manguinhos). Trata-se de unidades emergenciais próximas a comunidades carentes, que visam criar uma “rota alternativa” às emergências hospitalares entupidas.


O objetivo da atenção deste serviço, como o próprio nome já sugere, é o pronto-atendimento, ou seja, resolver situações emergenciais graves, que não necessitem de internação (na verdade, existem leitos, “minis-CTIs”, que possibilitam uma estadia de no máximo 24 horas na UPA). Caso se necessite de maior período de internação e tratamento, procede-se ao deslocamento do usuário a um hospital especializado.
No entanto, como nos explicou a Dra. Valéria, atual coordenadora do serviço, ao invés das UPAs desafogarem os hospitais, o que se viu na prática foi um esvaziamento dos postos de saúde. Ou seja, muitos usuários passaram a procurar a UPA para resolver problemas que poderiam ser atendidos pela atenção primária, o que fez com que a maior parte do atendimento da UPA seja ambulatorial, ao invés de emergencial. Esta questão também seria uma das motivações da criação das clínicas da família, já que o usuário, muitas vezes, tem a UPA como uma referência para qualquer questão relacionada à saúde, simplesmente por seu território não possuir nenhum tipo de atenção básica.
Na tarde, visitamos a praça e o centro cultural que foi construído ao lado deste serviço de saúde (que também está ao lado de uma clínica da família). A praça me pareceu com um aspecto ainda pouco aprazível, já que se apresenta com poucas árvores, folhagens e sombras. Já o centro cultural dispõe de ampla biblioteca, videoteca, sala de recreação, museu, entre outros espaços que proporcionam às pessoas acesso a conhecimentos, saberes e informações, possibilitando-lhes a interação com a arte e a cultura. 







Ver um espaço como este, onde um serviço de emergência, outro de atenção primária, e um centro cultural estão tão próximos, me faz pensar na importância da articulação do setor da saúde com outros setores públicos, para que se pense em espaços de práticas em saúde que não sejam fragmentados das outras instâncias do viver coletivo humano. Mais especificamente, penso no efeito que uma iniciativa deste porte pode exercer sobre a própria concepção de saúde que se costuma ter. Um espaço onde saúde, lazer, cultura e arte aparecem lado a lado pode ser um bom convite ao borramento das fronteiras tão firmemente demarcadas entre estas áreas. Um convite e um desafio à busca de novas formas de expressar e compreender a dor, o sofrimento, ter um lugar no mundo para além de um diagnóstico, por exemplo.